Intestino, cérebro e saúde mental
- Giovana Colletti
- 22 de set.
- 3 min de leitura
A ciência tem mostrado que o intestino é muito mais do que um órgão responsável pela digestão e absorção de nutrientes. Hoje, reconhecemos sua função como parte de um complexo sistema de comunicação chamado eixo intestino-cérebro, no qual a microbiota intestinal desempenha papel fundamental. Essa interação bidirecional, mediada por vias neurais, imunológicas e endócrinas, mostra que o que acontece no intestino não se limita ao campo da nutrição, mas também impactando diretamente processos cognitivos, emocionais e comportamentais, redefinindo nossa compreensão da saúde mental.
O intestino abriga o chamado sistema nervoso entérico, composto por centenas de milhões de neurônios que funcionam em comunicação constante com o sistema nervoso central por meio do nervo vago e de substâncias químicas produzidas localmente. Entre os mediadores mais estudados está a serotonina, é estimado que cerca de 90% de toda a serotonina do organismo seja sintetizada no intestino, com influência direta do equilíbrio microbiano, além dela, a microbiota participa da produção de dopamina, GABA e triptofano, todos neurotransmissores associados ao humor e à regulação da resposta ao estresse.
Quando há uma alteração qualitativa ou quantitativa na composição dessa comunidade microbiana (condição conhecida como disbiose), ocorrendo um desequilíbrio capaz de ultrapassar as barreiras locais e repercutir em múltiplos sistemas. A disbiose está associada a processos inflamatórios de baixo grau, aumento da permeabilidade intestinal e modulação negativa do sistema imunológico, essas alterações permitem que moléculas pró-inflamatórias alcancem a circulação sistêmica, atravessem a barreira hematoencefálica e interfiram na neurotransmissão cerebral. Diversos estudos têm mostrado que pessoas com depressão, por exemplo, apresentam menor diversidade de espécies bacterianas benéficas e níveis aumentados de citocinas inflamatórias. As evidências científicas acumuladas nas últimas duas décadas reforçam que a saúde mental não pode ser entendida apenas sob a ótica neurológica ou psicológica.
A modulação desse eixo ocorre por diferentes mecanismos, a microbiota saudável produz ácidos graxos de cadeia curta, como o butirato, que exercem efeito anti-inflamatório e neuroprotetor. Além disso, regula a integridade da barreira intestinal, impedindo a passagem de endotoxinas que poderiam provocar respostas inflamatórias sistêmicas. Por meio do nervo vago, transmite sinais ao sistema nervoso central que modulam a resposta ao estresse e a plasticidade neuronal. Esses achados reforçam que a homeostase intestinal é essencial não apenas para a digestão, mas para a preservação da saúde emocional e cognitiva.

Nesse contexto, estratégias voltadas à manutenção da microbiota equilibrada tornam-se fundamentais. Dietas ricas em fibras prebióticas, presentes em vegetais, leguminosas e cereais integrais, estimulam o crescimento de bactérias benéficas. Alimentos fermentados, como kefir, chucrute e iogurte natural, contribuem com microrganismos vivos que reforçam essa diversidade. O uso criterioso de antibióticos, a prática regular de atividade física e a regulação do sono também se mostram relevantes, uma vez que todos esses fatores modulam direta ou indiretamente o microbioma.
Mais do que uma nova área de investigação, o eixo intestino-cérebro inaugura uma mudança de paradigma, ele desloca a saúde mental de um campo estritamente psicológico ou farmacológico para uma abordagem integrativa, na qual o cuidado com o intestino assume papel terapêutico e preventivo. Isso não significa reduzir condições complexas como depressão e ansiedade apenas à microbiota, mas reconhecer que o equilíbrio intestinal é um dos pilares de sustentação do bem-estar psíquico.
Em síntese, a disbiose intestinal representa não apenas um desequilíbrio local, mas um elo fisiopatológico que conecta o funcionamento digestivo ao mental. O futuro da saúde mental, portanto, passa por reconhecer o intestino como parte ativa desse processo e por investir em estratégias que preservem a integridade da microbiota. A compreensão de que corpo e mente são inseparáveis se fortalece, e o cuidado nutricional assume um papel cada vez mais central nessa integração.




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