top of page
Buscar

Quando a nutrição encontra o ciclo: Uma nova perspectiva sobre a saúde da mulher

  • Foto do escritor: Giovana Colletti
    Giovana Colletti
  • 13 de nov.
  • 4 min de leitura

O período menstrual ainda é envolto em silêncio e mitos, como se o corpo feminino fosse um sistema misterioso que a sociedade insiste em não decifrar. Esse tabu empobrece o cuidado em saúde e invisibiliza o fato básico de que a menstruação é um marcador clínico de primeira ordem, capaz de refletir desequilíbrios hormonais, estado nutricional, inflamação sistêmica e até riscos metabólicos futuros. Reduzir o ciclo a uma mera “questão feminina” é ignorar um relatório mensal extremamente detalhado que o organismo entrega sem cobrar consulta.


Do ponto de vista fisiológico, as variações entre estrogênio, progesterona e hormônios gonadotróficos modulam praticamente todo o funcionamento do corpo: apetite, humor, sono, termorregulação, sensibilidade à insulina, disposição e resposta inflamatória. E é justamente aqui que a nutrição deixa de ser coadjuvante para assumir papel central, pois a alimentação não só influencia a intensidade dos sintomas, mas também interfere na regularidade, no volume menstrual, na saúde ovariana e na estabilidade emocional durante o ciclo. Evidências recentes publicadas no Journal of Women’s Health e no American Journal of Clinical Nutrition mostram que padrões alimentares anti-inflamatórios reduzem significativamente sintomas como cólicas, cefaleias, fadiga, irritabilidade e alterações gastrointestinais, mas em contrapartida, dietas ricas em ultraprocessados, açúcar refinado e gorduras hidrogenadas intensificam a produção de prostaglandinas inflamatórias, que são diretamente responsáveis pelas dores menstruais mais severas.


Além da carga inflamatória, as deficiências nutricionais são um ponto crítico frequentemente negligenciado. A baixa ingestão de ferro, por exemplo, contribui para ciclos mais intensos, maior fadiga e menor capacidade de oxigenação tecidual; já a insuficiência de magnésio, vitamina D e cálcio está associada ao agravamento da tensão pré-menstrual e ao aumento da sensibilidade à dor. A literatura é consistente ao apontar que mulheres com maior consumo de ômega-3 apresentam redução expressiva na intensidade das cólicas, justamente pela modulação positiva do metabolismo das prostaglandinas. Não se trata de milagre, é fisiologia pura. O corpo responde ao ambiente, e o alimento é a variável mais frequente desse ambiente.


Outro ponto crucial é a influência do ciclo sobre a resposta metabólica. Durante a fase lútea, há maior resistência à insulina e maior propensão a buscar carboidratos simples, ignorar essa oscilação abre espaço para culpa e para a narrativa ultrapassada de “falta de disciplina”. Uma abordagem nutricional competente acolhe essa variação e propõe estratégias inteligentes, como incluir fontes de carboidratos complexos, priorizar fibras solúveis, aumentar proteínas de alta qualidade e ajustar o fracionamento para mitigar picos glicêmicos. Da mesma forma, sintomas como constipação, diarreia e distensão abdominal durante a menstruação têm relação direta com o eixo intestino-hormônios e respondem rapidamente a intervenções alimentares adequadas, especialmente ao aumento de fibras, prebióticos naturais e hidratação eficiente.


A saúde intestinal é um pilar negligenciado no cuidado menstrual, visto que o intestino é responsável não apenas por absorver micronutrientes essenciais ao equilíbrio hormonal, mas também pela metabolização de estrogênio através do eixo estroboloma. Uma microbiota desequilibrada pode aumentar a recirculação de estrogênio e intensificar sintomas ligados à dominância estrogênica, como cólicas, inchaço, dores mamárias e irritabilidade. Alimentação pobre em fibras e rica em aditivos compromete essa dinâmica, enquanto hábitos simples, como incluir frutas, verduras, leguminosas e alimentos fermentados, ajudam a modular positivamente o estroboloma (conjunto de bactérias no intestino que metabolizam o estrogênio e influenciam diretamente o equilíbrio hormonal) e consequentemente o ciclo menstrual como um todo.


ree

Também é impossível discutir a menstruação sem abordar a relação entre dieta, inflamação crônica de baixo grau e condições ginecológicas como síndrome dos ovários policísticos e endometriose. Ambas apresentam forte componente inflamatório e respondem de maneira consistente a padrões alimentares que priorizam antioxidantes, fitoquímicos e gorduras de qualidade. Para mulheres com SOP, por exemplo, intervenções nutricionais que melhoram a sensibilidade à insulina têm impacto direto na regularidade do ciclo, na ovulação e no equilíbrio hormonal; já a endometriose se beneficia de uma dieta que reduz substâncias pró-inflamatórias e favorece alimentos ricos em polifenóis e ômega-3, o que pode diminuir dores e melhorar a qualidade de vida.


Falar de menstruação com profundidade e base científica não é ativismo; é obrigação ética. O ciclo é um marcador sensível e multifacetado, capaz de denunciar muito antes qualquer alteração que comprometa a saúde global da mulher. Profissionais que tratam o período menstrual como detalhe ou fragilidade emocional contribuem para um atraso diagnóstico que afeta fertilidade, performance cognitiva, saúde mental e autonomia econômica. A nutrição, quando utilizada de forma estratégica, tem a capacidade de não apenas reduzir sintomas, mas de fortalecer a relação da mulher com o próprio corpo, oferecendo autonomia, previsibilidade e bem-estar.


No fim das contas, a menstruação não é apenas um evento fisiológico mensal, é um relato completo de como o organismo está reagindo ao estilo de vida, à alimentação, ao estresse, ao ambiente e às escolhas acumuladas ao longo do tempo. Quando a mulher compreende o próprio ciclo, ela compreende parte fundamental de sua saúde e quando a nutrição é reconhecida como ferramenta central nesse processo, o cuidado feminino finalmente se aproxima da dignidade e da precisão que sempre mereceu.

 
 
 

Comentários


5.png
bottom of page